O embaixador (extraordinário e plenipotenciário) de Angola naquela que é, para o regime do MPLA, a sua maior referência em matéria de direitos humanos, democracia e pluralismo político, a Coreia do Norte, Garcia Bires, afirmou nesta sexta-feira, em Pequim, que é intenção do estado angolano manter e alargar a cooperação entre Angola e a Coreia do Norte nos mais diversos domínios.
Por Orlando Castro
O diplomata angolano fez esta declaração no termo de um encontro com o vice-ministro das Relações Exteriores da República Popular e Democrática da Coreia do Norte, Choe Hui Chol, tendo realçado que se pretende reforçar e ampliar as relações já existentes.
Segundo Garcia Bires, a prioridade será dada às áreas de saúde e solidariedade pela causa do povo coreano, que luta pela reunificação independente e pacifica da península coreana.
Choe Hui Chol considerou excelentes as relações entre Angola e o seu país, acrescentando que as relações entre Angola e a Coreia do Norte continuam a desenvolver-se conforme desejo e expectativa dos dois povos e governos.
O diplomata norte-coreano agradeceu a postura de Angola durante o mandato no Conselho de Segurança das Nações Unidas, que recomendou uma solução negociada na resolução do problema da península coreana.
Como também não poderia deixar de ser, Choe Hui Chol enalteceu o papel do embaixador João Garcia Bires, que tem sido determinante para o fortalecimento das relações entre os dois países.
Garcia Bires, que se fez acompanhar no encontro pelo conselheiro, Virgílio Zulumongo, é embaixador de Angola na Coreia do Norte, com estatuto de não residente.
Uma história de velhos amigos
A comissão de inquérito da ONU encontrou provas inequívocas de tortura, execuções e fome na Coreia do Norte, onde entre 80.000 e 120.000 pessoas se encontram em campos prisionais. É uma estimativa que, reconheça-se, ofusca a história do 27 de Maio de 1977 onde o MPLA matou muitos milhares de angolanos. Não havia campos prisionais. Era matar, matar e… matar.
A Assembleia-Geral da ONU (contra a divina vontade do regime de José Eduardo dos Santos) tem encorajado o Conselho de Segurança a denunciar a Coreia do Norte ao Tribunal Penal Internacional (TPI) para investigação de crimes de guerra, mas a China bloqueia uma tal medida, com o seu poder de veto que detém, enquanto membro permanente do Conselho.
Em Dezembro do ano passado, a ONU adoptou sanções mais severas contra a Coreia do Norte, entre as quais novas medidas para reduzir as exportações do seu carvão para a China, em resposta ao quinto e maior teste nuclear de Pyongyang.
A Coreia do Norte já foi alvo de seis pacotes de sanções da ONU desde que pela primeira vez testou um engenho nuclear, em 2006.
Recordemos a visita que o ministro da saúde da Coreia do Norte, Kang Ha Guk, fez no dia 15 de Dezembro de 2015 ao Hospital Américo Boavida, acompanhado pelo então seu homólogo angolano, José Van-dúnem, com o objectivo de conhecer o funcionamento e crescimento da referida unidade sanitária.
Durante a visita, o ministro norte-coreano e a sua delegação percorreram os principais serviços da unidade, com destaque para a serviço de medicina física e reabilitação, novo bloco operatório, triagem de Manchester – 1ª experiência na rede publica de saúde – bem como a nova cozinha e o refeitório dos trabalhadores.
Durante o encontro, a directora do Hospital Américo Boavida, Constantina Furtado, considerou a visita como bem-vinda, realçando que este encontro permitiu fazer a avaliação do que foi feito antes e depois, adiantando que foi apresentado ao ministro norte-coreano os serviços novos do hospital, os ganhos de 2014 e de 2015, quer em termo de infra-estruturas como de medicina física e reabilitação, no contexto de resolver os problemas que afligiam os doentes.
Durante a sua estada na unidade, a directora disse que o ministro norte-coreano passou a impressão de uma grande satisfação dos trabalhos feitos e a acreditação da qualidade assistencial e a certificação que contribuem para a imagem positiva do hospital.
“Acredito que os dois ministros saíram daqui bastante satisfeitos porque viram que, apesar da crise financeira que se atravessa, há trabalhos a serem feitos em direcção ao bem-estar da saúde das populações”, reforçou a directora.
Em Angola trabalham perto de 180 médicos norte-coreanos, que estão distribuídos pelo país, com excepção da província do Cunene.
Recorde-se que são fortes os elos e a irmandade entre os dois regimes. Quando Ri Myong San, então vice-ministro do Comércio da República Popular Democrática da Coreia, ou seja, da Coreia do Norte, país dirigido pelo democrata e defensor dos direitos humanos, Kim Jong-un, visitou Angola para reforçar a cooperação bilateral, ficou claro que o MPLA está em dívida com o seu homólogo Partido dos Trabalhadores que, desde sempre, apoiou as FAPLA e contribuiu para a instauração democrática de partido único no nosso país.
Em Novembro de 2013, já o embaixador da Coreia do Norte em Angola, Kim Hyong, defendeu que a cooperação entre os dois países devia caminhar para outros domínios e não apenas no político.
O diplomata norte-coreano defendeu essa posição à saída de uma reunião com o Vice-Presidente da República, Manuel Domingos Vicente, durante a qual foi abordado o estado da cooperação entre Angola e a Coreia do Norte.
Kim Hyong manifestou o interesse do seu país em cimentar e fazer crescer a cooperação com Angola, baseada no domínio político, e estendê-las para outros sectores, como o económico.
Desde Novembro de 1975
“A relação entre os nossos países é de longa data”, disse Kim Hyong, lembrando que o estabelecimento das relações diplomáticas entre Angola e a Coreia do Norte começou no dia da Independência Nacional, em 1975. A partir daí, acrescentou, têm vindo a desenvolver-se. “Agora é altura de olharmos para outros domínios de cooperação”, defendeu.
A Coreia do Norte coopera com Angola nos ramos da saúde, construção civil e também na área da formação tecnológica, numa altura em que Pyongyang quer alargar a cooperação a novos campos. O diplomata disse existirem condições favoráveis para que a cooperação entre os dois países seja frutuosa noutros sectores. “Temos boas relações no domínio político mas queremos estabelecer boas relações económicas e desenvolver os níveis da cooperação já existente”, referiu.
Recorde-se que, quando em Dezembro de 2011, o “querido líder” da Coreia do Norte, Kim Jong-il, morreu aos 60 anos (diz-se que de ataque cardíaco) o MPLA esteve obviamente de luto e ficou também mais pobre.
Provavelmente nessa altura sua majestade o rei José Eduardo dos Santos fez contas à vida, até porque o seu regime compra tudo, mas até agora ainda não conseguiu adquirir a vida eterna. E assim sendo, falta saber se o nosso país passará por uma transição pacífica ou, como parecer ser vontade do MPLA para se perpetuar no poder, por nova purga.
Em Luanda, o presidente nunca nominalmente eleito e no poder desde 1979, sabe, agora melhor do que nunca, que as democracias o vão passar de bestial a besta logo que ele deixe o poder. Se calhar hoje, mais do que ontem, Eduardo dos Santos sabe que já não há amigos como antigamente.
E ainda por cima Kim Jing-il morreu e o seu filho, Kim Jong-un, parece não ter a mesma reverência perante o nosso “escolhido de Deus”.
É bom que os angolanos (a comunidade internacional passou uma esponja no assunto) saibam que a ditadura de Pyongyang tem relações históricas com a sua congénere de Luanda.
Para além dos laços históricos, nascidos na década de 70 com o apoio militar norte-coreano às FAPLA, é certo que Angola só tem a ganhar, agora mais do que nunca, com o reforço da cooperação com Pyongyang.
Então em matéria de democracia, direitos humanos, liberdades e garantias sociais, a Coreia do Norte parece continuar a ser (tal como a Guiné Equatorial e o Zimbabué) uma lapidar referência para o regime de sua majestade o rei José Eduardo dos Santos.
Aliás, não é difícil constatar que a noção de democracia de Eduardo dos Santos se assemelha muito mais à vigente na Coreia do Norte do que à de qualquer outro país. E é natural. É que para além de uma longa convivência “democrática” entre ditadores, Luanda ainda tem de pagar a dívida, e os juros, da ajuda que Pyonyang deu ao MPLA. Amigos, amigos, contas à parte.
No que tange a direitos humanos, os princípios são os mesmos embora – reconheça-se – Luanda tenha sido obrigada a alargar o laço que estrangula os angolanos. Mas já está a apertá-lo novamente, desde logo porque os angolanos não podem ter as mesmas veleidades que os tunisinos, egípcios ou líbios.